"...Mas o neoliberalismo, que, pasmem, tanto fascinou o
intelectual francês Michel Foucault no final de sua vida, vai mais longe ainda.
Quanto mais profunda for a crise ambiental provocada pela sociedade industrial,
mais oportunidades de negócio se abrem. “Não vamos combater as mudanças
climáticas para retornarmos às condições que o Holoceno naturalmente nos
proporcionou, se fizermos isso, vamos perder dinheiro”. Se não é este o
discurso dos negociantes, é este seu pensamento.”
A captura corporativa da COP19
Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, Varsóvia,
Polônia
Por Amyra El Khalili*
A campanha contra a financeirização e mercantilização da
natureza empreendida por centenas de Ongs, movimentos sociais, redes, coletivos
e associações de todo o mundo, tem origem nas sucessivas crises do capitalismo
pós-moderno enraizado no modelo neoliberal. Neo, significa novo; liberal,
liberar. O neoliberalismo defende o livre mercado sem a mão pesada das
políticas de comando e de controle dos governos nacionais e internacionais ou
de regras que promovam o “travamento” dos mercados financeiros.
Adeptos das teorias de que as forças dos mercados se
autorregulam, os neoliberais adotaram políticas de substituição do papel dos
Estados por corporações da iniciativa privada. Onde o Estado deveria agir como
os setores de educação, saúde, prestação de serviços (distribuição e tratamento
de água, esgoto, energia, comunicação, mineração), são tais setores entregues
às corporações privadas em muitos países para fazerem a gestão financeira e
administrativa. Assim sendo, privatizam-se os lucros e socializam-se os
prejuízos. Se o Estado promovia, em muitos momentos, a redução do “crescimento
econômico” por não poder exercer também o papel que caberia ao mercado, a
entrega do patrimônio e dos serviços públicos criou distorções e conflitos entre
o verdadeiro papel do Estado, colocando em dúvida os motivos que levaram a sua
relação tendenciosa com os interesses dos mercados, particularmente, o mercado
financeiro.
A ação de tornar financeiro tudo aquilo que é eminentemente
econômico, a financeirização e, a mercantilização, ação de tornar mercadoria
aquilo que não deveria ser, por questões éticas, mercadoria, está propiciando
uma nova modalidade de instrumentos e contratos através dos mercados
financeiros, que pretendem tornar bens , antes considerados fora da rota dos
estudos de bens e serviços econômicos, em mercadorias. Esses bens são
denominados “bens difuso” – bens de uso público ou “bens comuns”.
O bem ambiental, conforme explica o art. 225 da
Constituição, é “de uso comum do povo”, ou seja, não é bem de propriedade
pública, mas sim de natureza difusa, razão pela qual ninguém pode adotar
medidas que impliquem gozar, dispor, fruir do bem ambiental, destruí-lo ou
fazer com ele de forma absolutamente livre tudo aquilo que é da vontade, do desejo
da pessoa humana no plano individual ou metaindividual.
Ao bem ambiental é somente conferido o direito de
usá-lo, garantido o direito das presentes e futuras gerações. A declaração “Não a compensação da biodiversidade!”
(1), denuncia essa apropriação indevida do bem ambiental pelas
corporações com a conivência e aval dos Estados - a biodiversidade e dos
serviços que a natureza produz gratuitamente.
O ecohistoriador e ambientalista, Prof. Dr. Arthur Soffiati,
nos alerta para os perigos desta nova tendência do capitalismo neoliberal:
“Esta nova tendência é a de transformar toda a
natureza potencial e utilitariamente em mercadoria. Assim, abre-se caminho para
o capitalismo explorar o trabalho gratuito que a natureza exerce com ou sem
sociedades humanas dependentes dele. “Você quer oxigênio? Pague pela
fotossíntese aqui, à empresa que ganhou do estado a licitação para explorá-la”.
Mas o neoliberalismo, que, pasmem, tanto fascinou o
intelectual francês Michel Foucault no final de sua vida, vai mais longe ainda.
Quanto mais profunda for a crise ambiental provocada pela sociedade industrial,
mais oportunidades de negócio se abrem. “Não vamos combater as mudanças
climáticas para retornarmos às condições que o Holoceno naturalmente nos
proporcionou, se fizermos isso, vamos perder dinheiro”. Se não é este o
discurso dos negociantes, é este seu pensamento.”
A declaração “Parem com a aquisição corporativa e
expansão dos mercados de carbono na COP19 agora! “ (2) assinada por
mais de 135 grupos, movimentos e redes de todo o mundo, denuncia a captura
corporativa da COP19 pelas mesmas empresas que lucraram com a crise climática e
foram também os responsáveis por ela. A União Européia e os
grandes poluidores estão ignorando efetivas ações climáticas para promover a
expansão dos mercados de carbono na COP19.
Esse movimento internacional denuncia também que os players
(jogadores) do mercado de carbono que realizaram lucros com as falhas da
desregulamentação do Comércio de Emissões da União Européia, o maior
sistema em atividade no mundo, estão pressionando para se salvarem da redução
drástica das cotações dos créditos de carbono que vem apresentando baixas após
sucessivas quedas de preços. Desta forma, prenunciam a formação de um mercado
global que interligariam os sistemas de comercialização entre países, ainda que
o mercado de carbono tenha se mostrado, por mais de 15 anos, ser ineficiente e
se prestado a atrair todo tipo de irregularidades e fraudes. Há quem diga que
as fraudes estão desconectadas do Comércio de Emissões da União Européia – EU
ETs, como se uma coisa nada tivesse haver com a outra. Tal afirmação ou é
ingenuidade ou as pressões para defender os interesses dos players estão
provocando um discurso dúbio e pretensiosamente confuso para iludir
investidores entre outros possíveis atores deste mercado.
É flagrante a relação duvidosa entre governos e corporações
com negociações paralelas em reuniões previamente agendadas na COP19. Já se vão
20 anos sem ações efetivas para combater as mudanças climáticas.
É chegada a hora de acabar com o Comércio de Emissões da
União Européia que só tem causado problemas e conflitos com comunidades
tradicionais, povos das florestas, campesinos entre outros com políticas
desastrosas e que somente alimentaram a especulação financeira em plena crise
econômica na Europa e nos EUA. Esta crise do capitalismo mundial que tem
quebrado países, vem adotando também políticas de austeridade, afetando
diretamente a qualidade dos serviços públicos com desemprego e desesperanças.
(3)
As declarações “Parem com a aquisição corporativa e
expansão dos mercados de carbono na COP19 agora! e “ Não a
compensação da biodiversidade!” estão abertas para receberem assinaturas de organizações,
grupos, redes, associações e coletivos.
Nossa posição
é a de endossar as declarações com conhecimento de causa, sobretudo
com histórico e trajetória comprobada desta autora que vos escreve, nos
mercados futuros e de capitais.
Nota:
(1) Declaração “ Não a
compensação da biodiversidade”. Em espanhol: http://no-biodiversity-offsets.makenoise.org/espanol/; Em inglês: : http://no-biodiversity-offsets.makenoise.org/
(2) Declaração “Parem com a
aquisição corporativa e expansão dos mercados de carbono na COP19 agora! “. Em espanhol: http://scrap-the-euets.makenoise.org/wp
content/uploads/2013/11/COP19_Statement_Español.pdf; Em inglês: http://scrap-the-euets.makenoise.org/
(3) Declaração É hora de
desmontar o ETS! http://scrap-the-euets.makenoise.org/portugues/
Amyra El
Khalili* é economista, autora do e-book "Commodities Ambientais em
Missão de Paz: Novo Modelo Econômico para a América Latina e o Caribe".
São Paulo: Nova Consciência, 2009. 271 p. Acesse gratuitamente www.amyra.lachatre.org.br
Tomado de envió en red foroba
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